segunda-feira, 4 de junho de 2012

Kedras e Seus Problemas

Nos tempos em que a vela não tinha pavio, há mais ou menos mil e cem anos antes de Maomé, em algum lugar qualquer do mundo, existia um pequenino reino chamado Kedras, cuja capital tinha igual nome. Os habitantes dedicavam-se principalmente à agricultura. O rei era eleito por aclamação e governava pelo espaço de quarenta anos.
O penúltimo rei chamava-se Rev II e o último Olver I. O que reinava na época em que aconteceu o episódio que narrarei a seguir, quis homenagear os dois últimos reis a ao assumir escolheu o nome Revolver I.
O reino todo possuia uma população de, mais ou menos, seis mil habitantes e noventa e nove por cento eram analfabetos.
Revolver I era considerado um sábio, lia bem e contava até mais de cem.
O rei era assessorado, de uma parte, por homens íntegros e moldados à doutrina real. De outra parte por este tipo de gente que hoje em dia seriam chamados de puxassacos ou homens-vermes que batiam palma por qualquer coisa que o rei fizesse, mas, que às suas costas o apunhalavam quase que diariamente. Esses homens que, mesmo não sendo barrigudos, carregam um oceano de imundície dentro de si. Esses homens que o próprio sol sente-se constrangido em aquecer nas manhãs frias de inverno.
Os deuses haviam olhado para Kedras e a haviam dotado de todas as graças divinas. Homens e mulas, em barris, carregavam água do rio Midios e a despejavam em uma espécie de reservatório que havia numa pequena elevação ao lado norte da cidade. De lá, por meio de grossos tubos de uma espécie de taquaras de "Itú" a canalizavam até a praça central, onde a população se abastecia.
Os nomes das ruas eram os mais variados e curiosos, e vou deter-me, especificamente, na Rua dos Lobos, num pequeno trecho, que ninguém sabia explicar porque motivo não fora pavimentada até aquela data, já que toda cidade era dotada daquela bênção divina há uns quatrocentos anos. Nos últimos oitenta anos, nos tempos de Rev, e mais recentemente nos tempos de Olver, havia-se tentado solucionar o problema. Foram feitas muitas reuniões, das quais participavam os peritos do Reino, os que sabiam contar até quase cem, mas nada fora resolvido e a Rua dos Lobos continuava sem pavimentação.
Ao assumir, Revolver I, embora não tivesse revelado a ninguém, jurara aos deuses que a Rua dos Lobos seria pavimentada de qualquer forma.
Um dia o Rei, num lance singular e demonstrando grande inteligência, resolveu de uma vez por todas o problema da mencionada rua. Mandou alguns homens colocarem uma fila de pedras de ponta a ponta do trecho não pavimentado, depois se dignou ir pessoalmente fazer uma vistoria. Uma vez lá, pôs-se a contar as pedras da fila e qual a sua surpresa quando descobriu que só iam oitenta e oito pedras na fila. Olhou para a largura da rua e achou deveras estreita. Mandou colocar outra fila de pedras naquele sentido. Contou-as e constatou que haviam sido colocadas vinte e duas pedras. Fez as contas e viu que o investimento caberia, com folga no orçamento que havia sido proposto para aquele ano. Imediatamente ordenou a seus homens que procurassem e lapidassem a quantidade necessária de pedras para lá serem colocadas. Ao cabo de alguns dias o secular problema da Rua dos Lobos foi solucionado. Houve muitas comemorações, pois finalmente a cidade toda contava com pavimentação e todos estavam nas mesmas condições de igualdade. Imaginem os leitores e hoje em dia houvesse, em qualquer cidade um caso parecido, seria o fim da picada, com todos os meios que existem para dar o conforto e as condições de bem estar a qualquer habitante de qualquer cidade e de qualquer rua indistintamente.
Bem, como ia dizendo, o problema da Rua dos Lobos fora finalmente solucionado e em prova de gratidão, os temidos mas humanos moradores daquele trecho ergueram um monumento ao Rei Revolver I e escreveram essas palavras: "AGRADECEMOS A TUA INTELIGÊNCIA, NOSSO REI!".

Nota: esta crônica foi escrita em um dos momentos de maior polêmica nos anos em que a família Bavaresco residiu em Nova Prata, na rua Luiz Marafon, em um trecho no qual a Prefeitura Municipal da cidade, evitou colocar pavimentação, diferente de todas as outras que já haviam sido calçadas. O Rei Revolver I foi descrito de forma a parecer com o então prefeito. Este texto foi publicado muito tempo depois de ser enviado para a prefeitura, devido uma desavença entre o responsável pelo jornal Eco do Vale e o prefeito.

Um comentário:

  1. Desse texto eu me lembro muito bem! O tio Luiz me mostrou numa de minhas idas até Nova Prata para passar as férias. Obviamente, teve que me explicar o que era o "Reino de Kedras". Lembro que fiquei estupefato com a perspicácia do autor. Este, certamente, sabe contar até muito, muito mais de cem...

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